Ao ar livre, a música
parecia envolver todo o seu corpo. Era como se dissipasse no espaço e não
existissem limites… Olhou em frente. Ele ainda ali estava, a poucos metros,
praticamente sem se mexer, a contemplá-la no meio do fumo e das luzes
intermitentes. “Não vou ter com ele”, pensou, triste, repetindo as palavras
como se se tratassem de um mantra. Mas o corpo amolecia ao sentir o olhar dele
preso à sua pele. “Se cederes ao teu desejo, esta história nunca vai terminar…”
Porém, ele estava tão perto, com os olhos verdes esmeraldas rasgados, a boca
que formava o mais inebriante dos sorrisos, o corpo elegante e sensual. E Paula
sabia, com cada célula, que ele a desejava com intensidade.
Fechou os olhos,
tentando dessa forma abstrair-se da realidade. Recordou a primeira noite.
Esbarrara com ele naquele mesmo local. Ele segurara-a com os braços musculados,
impedindo-a de cair no chão. Trémula, Paula agradecera-lhe, sentindo, ao
contacto com as mãos, um formigueiro a percorrer-lhe a pele. Os lábios de
Martim abriram-se num sorriso, os olhos verdes brilharam e perguntou-lhe o
nome, com uma voz ligeiramente rouca. Como que hipnotizada, Paula respondeu. O
que aconteceu depois, foi surpreendente.
Dançaram toda a noite, os corpos
crescentemente mais próximos, as pernas a tocarem-se, as mãos dele na sua
cintura, descendo depois com volúpia pelas coxas bem delineadas, o cheiro que
se libertava do seu cabelo a inebriá-la. Nunca se tinha entregado assim a um
homem logo da primeira vez que o conhecera, nem sentido frisson quando ele,
enlaçando-lhe a cintura com firmeza, começou por beijar-lhe o pescoço, as
orelhas, as faces, o canto dos lábios, para, por fim, tocar a sua boca,
envolvendo-a num beijo intenso, profundo, que lhe roubou o folego. Saíram dali
para o apartamento dela, onde Martim, deitando-se sobre a cama, lhe pediu:
“despe-te para mim”. De início, a natural inibição de Paula veio ao de cima,
mas ele repetiu o rogo com tanta emoção e desejo expresso no rosto moreno, que,
pensando “por que não”, Paula deu por si a mover as ancas com sensualidade,
sentindo-se uma figura das Mil e uma noites. Primeiro a camisola de alças caiu
no chão, depois, a saia curta.
Por fim, virando-se de costas, despiu o soutien.
Virou-se, tapando os seios com as mãos. Ele observava-a com os olhos brilhantes
e um sorriso rendido. “Deixa-me vê-las.” Devagar, Paula deixou expostos os
seios rosados. Todavia Martim não estava satisfeito. Sob as calças, Paula deu
conta do pénis já ardendo de desejo. Mas antes pediu-lhe para tirar o string.
Só a seguir se ergueu da cama, se aproximou e a começou a beijar, pedaço a
pedaço. Paula estava também mergulhada na vertigem louca da volúpia. Despiu-o
com avidez, cobiçando tocar, cheirar, beijar aquele corpo… O desejo era de tal
forma ardente que ele a penetrou de pé, contra a parede, suspendendo-a no ar
com as nádegas nas suas mãos. O orgasmo foi rápido, intenso e avassalador, uma
subida apoteótica aos céus, uma chuva de estrelas que se abateu naquele quarto.
Amaram-se toda a noite, até que adormeceram esgotados.
Na manhã seguinte, ao
acordar, Martim não estava lá. Apenas uma rosa vermelha que ele devia ter
roubado no canteiro da vizinha. Dividida entre a desilusão e a raiva. Paula
tentou retomar o rumo normal dos dias depois daquela noite. Mas, no sábado
seguinte, na esperança de reencontrá-lo, regressou à mesma discoteca, junto ao
mar. Procurou-o com os olhos, porém foi ele que lhe surgiu à frente, de
surpresa, arrastando-a para um lugar mais sossegado, Nos olhos dele, o mesmo
brilho. As palavras, breves, foram murmuradas: “Senti a tua falta”. Depois um
beijo, muitos beijos, e mais uma noite de amor.
Após de terem saciado o
desejo nos braços um do outro, Paula perguntou-lhe: “Vais desaparecer
novamente?” Martim ficou pensativo. “Há uma coisa que tens de compreender se me
queres voltar a ver – não me podes tentar prender.” Paula pensou ripostar com
fúria, mas consegui perguntar calmamente: “Não estás apaixonado por mim, é
isso?” Nesse instante, ele olhou-a com carinho e puxou-a para junto do peito
nu: “Não percebeste, pois não? Isto não tem nada a ver com aquilo que sinto. É
uma questão da minha maneira de ser.” Paula não compreendia. Tinha a certeza
que estava apaixonada, apesar de quase nada saber a seu respeito. Desejou
esquecer, disse a si própria que devia mandá-lo embora, mas deixou-se ficar,
segura nos seus braços até que o sono a venceu. E ele não estava lá de manhã,
apenas mais um rosa vermelha.
A semana seguinte
passou como se estivesse sonâmbula. Desejava vê-lo e prometia a si mesmo não
regressar ao mesmo lugar. Os amigos diziam que ela era louca, que se tratava de
mais um Juan de bolso, que andava por aí a seduzir raparigas na noite. “Não
sabes nada dele”, repetiam. Ela ainda pensava responder que sabia que ele
adorava passear descalço pela praia em noites de luar, que gostava de ver a
forma como a luz se refletia no seu rosto, que amava o som do jazz…
Confidências de duas noites de amor que valiam mais do que dez anos de
conversas. Mas voltou. Encontrou-o sozinho, junto ao mar, afastado da confusão.
Dirigiu-se até lá com passo seguro. Ele adivinhou a sua presença, dizendo,
ainda de costas: “Pensava que nunca mais chegavas…” Porém, Paula tinha tomado
uma decisão: “O que aconteceu entre nós não se vai repetir. É só isso que te
queria dizer.” E, com lágrimas nos olhos, regressou para a pista, onde a música
a envolveu.
Agora, estava ali, sentindo-se observada fixamente por ele, que
porém não vinha ao seu encontro. Com medo de ceder, despediu-se dos amigos e
correu porta fora. Aquele sonho (ou pesadelo) terminara. Mas quem dizia que o
conseguia esquecer? A imagem de Martim colara-se de tal forma às paredes do seu
cérebro, que dois dias passaram em que não conseguiu dormir… Pensou ir ter com
ele no próximo fim-de-semana, era preferível estar infeliz com Martim do que
sem ele. Contudo, não foi necessário voltar. Porque, ao final do terceiro dia,
ele esperava-a, sentado nos degraus da porta, um ramo de rosas na mão.
Sorriu-lhe ao longe e, quando Paula se aproximou, lançou-lhe o mais radiante do
sorriso, “Será que podemos começar do novo?”, perguntou, quase junto à sua
orelha. “Sem fugas de madrugada?”, retorquiu Paula. “Prometo”, disse, antes de
envolvê-la num beijo.