quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Recriar o amor


- Anda cá e beija-me…
Manuel olhou surpreso para a expressão no rosto de Eduarda. Seria real? Ou ela iria desaparecer frente aos seus olhos como já acontecera no passado?
Hesitou em tomá-la entre os braços e fazer aquilo que ela lhe pedia. O seu coração magoado não se permitia acreditar em tamanha felicidade.
Mas desta vez Eduarda teimava em não desaparecer. Estava ali, à sua frente, já tarde na noite, com ar de quem tinha vindo a correr, sem fôlego, o cabelo desalinhado, os lábios ainda mais vermelhos.
Receava ter chegado demasiado tarde, mas tal não acontecera. O avião de Manuel partia apenas de manhã para Londres, apesar das malas já estarem feitas e arrumadas a um canto da sala. Quando escutara a campainha, o jovem andava ainda às voltas na cama, a tentar conciliar o sono, mas apenas se conseguia lembrar que Eduarda faltara ao encontro, que não o amava, que nada podia mudar e que, por isso, sair do país era de facto a única maneira de a conseguir esquecer.
Toda aquela história começara à dois meses atrás, quando se tinham conhecido num curso de Arte, em que Manuel se inscrevera, enquanto faltavam algumas semanas para a sua partida para Londres em trabalho.
Logo na primeira aula, reparou em Eduarda. Era de estatura média, corpo magro, tinha o cabelo castanho claro bem curto e um rosto de anjo, que nem os olhos maquilhados de preto conseguiam esconder. Sem se dar conta, esteve durante bastante tempo a olhar fixamente para ela, de modo que era inevitável que a jovem não reparasse.

Foi a vez de Eduarda virar o rosto na sua direcção e perscrutar o seu rosto com curiosidade. Por fim, lançou-lhe um sorriso, breve, é certo, mas que lhe deu coragem para a convidar para beber um café depois da aula, com uma timidez que, apesar de autêntica, pareceu jogar a seu favor, pois ela aceitou.
Tornou-se hábito desde então, depois da aulas que aconteciam três vezes por semana, irem até ao café ao lado e passarem horas a conversar. Aos poucos, foram-se conhecendo melhor, descobrindo pontos em comum e Manuel sentia-se cada vez mais apaixonado. Questionava-se então sobre os sentimentos de Eduarda. Mas se havia momentos em que, pela forma como ela o contemplava ou por uma palavra qualquer que dizia, se sentia plenamente amado, outras havia em que ela parecia esquivar-se a qualquer tipo de aproximação da sua parte.
Por isso adiava a ocasião em que iria confessar os seus sentimentos. Se ela ainda nem sequer lhe dera o número de telefone…
Um dia, porém, não aguentou mais e, quando já estavam da rua, as palavras brotaram espontâneas da sua boca. Tinham ficado os dois imóveis no meio da rua. Eduarda ficou em silêncio após a declaração de amor, mas não fugiu quando Manuel a beijou com ardor. Antes pareceu entregar-se com todo o seu corpo e alma.
Essa noite foram para casa de Manuel. Tornaram-se um só ser, um só corpo. Eduarda rendeu-se aos gestos de Manuel, à forma como ele desbravou o seu corpo, com ternura, desejo e paixão, feliz por sentir que a sua respiração se acelerava à medida que ele a despia e beijava os seios, as nádegas, os ombros, a cintura, a púbis. Entrou dentro de dela devagar, sentindo-a frágil e, ao mesmo tempo, vibrante sob o seu corpo, respondendo em completa sintonia aos meandros e ao ritmo do seu próprio desejo. Era como se estivessem unidos além daquele espaço, daquele tempo…
Todavia, o sonho desfez-se quando despertou na manhã seguinte, sozinho. Eduarda deixara-lhe uma carta, onde contava tudo: ela tinha alguém e não reunia a coragem necessária para deixar uma relação estável por uma aventura, por muito apaixonada que estivesse.
Primeiro, Manuel entrou em desespero. ‘Uma aventura?’ repetia, enquanto pensava que, por causa de Eduarda e sem qualquer esforço, estava disposto a abdicar daquela ida para Londres! Qual a importância de um trabalho quando tinha encontrado a mulher da sua vida?
Depois, pensou apenas em como tê-la de volta. Telefonou-lhe, mas ela não atendia. Enviou-lhe uma mensagem a pedir apenas só mais um encontro. Ela acedeu. Marcaram no café habitual para daí a três dias, na véspera da partida de Manuel para Londres.
E Eduarda nunca apareceu. Desesperado, Manuel regressara para casa três horas depois e fez as malas.
Agora, horas depois, ela estava ali, a pedir para que ele a beijasse. E não era um sonho!
Por fim, Manuel apercebeu-se disso e tomou-a entre os braços. Beijaram-se. E depois Eduarda contou-lhe que terminara tudo com o namorado. Que queria arriscar. Que o amava e só desejava ficar a seu lado.
E Manuel esqueceu a hora do voo e levou-a para o quarto…

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Jogo feliz

- Gostava imenso de ficar contigo.

Cristina olhou para o rosto do jovem à sua frente. Iluminado pela suave luz da lua, os seus olhos castanhos, grandes e sonhadores, exprimiam toda a paixão que lhes incendiava a alma. Teria ela a coragem de lhe estender a mão, desprezar o passado e receber o convite de se entregar ao amor?

Naqueles minutos, todas estas dúvidas lhe perpassaram o espírito. A primeira vez que vira Pedro, quando ainda estava com António, fora quando entrara de surpresa no apartamento do namorado. Estavam os dois na sala, ‘embrulhados’ um no outro, quando a porta se abriu e eis que um rapaz dos seus vinte e poucos anos, cabelos compridos e olhos enormes abriu a porta. Ao deparar-se com aquela cena, ficou atrapalhado. Bem como Cristina, que tentou descer a saia para lhe tapar as pernas, enquanto corava. O único que ficou à vontade foi António, que logo passou às apresentações:

- É o Pedro, já te falei dele, está a dividir a renda comigo.”

Cristina simpatizou de imediato com o jovem. Era bonito, mas comportava-se como se não o soubesse. Era simpático, sem ser convencido. Era meigo sem ser melado. Isto conclui naquela tarde juntos e nos encontros sucessivos em casa dos dois jovens.

Era feliz – tinha um namorado por quem andava de cabeça perdida e encontrara um bom amigo. Mas o sonho de felicidade foi curto. Por que António era o tipo de homem que conviva com dificuldade com a noção de monogamia. Não tardou que Cristina descobrisse que ele mantinha um caso com uma das suas amigas. Nesse dia foi até ao apartamento de António para o confrontar. Quando entrou, de cabeça perdida, nem reparou que não estavam sozinhas, pois Pedro estava sentado no sofá da sala.

Acusou António de a trair. A máscara abandonou-o logo:

- Sim, é verdade, já estava farta de ti. Contente? Agora, se não te importas, sai da minha casa.

Ao ouvir estas palavras, Cristina empalideceu. Pedro levantou-se:

- Vê lá como falas com ela – disse, em voz firme.

António olhou-o com desprezo.

- A mim não me enganas. Querias a Cristina para ti mal lhe puseste os olhos em cima dela. Agora, é toda tua…”

O outro dirigiu-se para ele, zangado. Mas a voz de Cristina chamou-o à razão. Em vez disso, Pedro virou costas a António e acompanhou Cristina até à rua. Caminharam em silêncio. Ela chorava e Pedro colocou o braço sobre os seus ombros, numa atitude protectora. Cristina encostou a cabeça ao seu peito, como uma menina pequena…

Nesse dia, e nos outros que se seguiram, foi ao apoio de Pedro que a ajudou. Tinha a auto-estima em baixo, achava que nunca iria ser feliz. Pedro era uma presença constante. Foi ele que dormiu desconfortável nessa noite para que não ficasse sozinha. Era ele quem a desafiava a sair de casa para passear quando insistia em nem sequer sair da cama. Lentamente, a dor de Cristina foi passando e o seu sorriso regressou.

Estava tão habituada à presença, que nem dava muito bem por ele! Há coisas assim – quem disse que o amor nasce súbito e avassalador? Por vezes, instala-se de mansinho e apanha-nos desprevenidos. Com Cristina, foi assim que tudo se passou. Telefonava a Pedro todos os dias, encontravam-se para ir ao cinema, jantar fora ou simplesmente conversar. E assim se passaram semanas. Até àquela noite em que foram juntos a uma festa. Quando a jovem deu por si estava a dançar nos braços de Pedro, a sentir o seu corpo pela primeira vez e a desejá-lo. Estavam os dois sob o efeito do álcool e isso pareceu torná-los duas pessoas diferentes. Lembra-se de terem ido até ao seu apartamento. De se terem beijado longamente ainda no elevador. De se sentir dominada pelo desejo de ser possuída por ele uma forma que nunca experimentara antes. De pensar que a boca de Pedro era mágica, capaz de a levar à loucura. A beijarem-se loucamente foram até ao quarto. Ele despia-a com meiguice e ardor e ela viu que os seus olhos estavam deslumbrados à visão do seu corpo. Ela fez o mesmo, com as suas mãos, que passearam pelo seu peito nu e musculado. Estavam ambos esquecidos do certo e do errado, de todos os medos.

Cristina deitou-se na cama. Pedro deitou-se sobre ela. E depois penetrou-a com suavidade, fazendo-a estremecer de desejo. Os seus movimentos eram ritmados e pareciam adivinhar as ondas do seu desejo, como se comunicassem com os corpos e com os pensamentos. E assim se amaram uma, duas, três vezes aquela noite, incansáveis, ardentes, loucos.

De manhã, Cristina foi a primeira a acordar. Viu o corpo nu de Pedro estendido a seu lado. E assustou-se. O que tinha feito? Dormido com o único amigo que poderia contra. Nada poderia ser o mesmo! Vestindo-se à pressa, saiu do apartamento. Nesse dia não lhe atendeu as chamadas. Não sabia o que dizer. Até que ele a esperou quando saiu do emprego, já tarde. Chamou o seu nome na rua deserta. Aproximou-se. Olhou-a demoradamente. E Cristina estava, agora, ali, sob o luar, a assistir à declaração de Pedro. Ele tinha ganho coragem de vencer a timidez e estava ali, a dizer que a amava, que a desejava, que não sabia viver com ela. E Cristina sabia que estava a um passo de decidir toda a sua vida – se iria desistir do amor ou aceitá-lo, com todos os seus riscos. Ao calar Pedro com um beijo, soube que tinha dito sim à vida.