terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Jogo feliz

- Gostava imenso de ficar contigo.

Cristina olhou para o rosto do jovem à sua frente. Iluminado pela suave luz da lua, os seus olhos castanhos, grandes e sonhadores, exprimiam toda a paixão que lhes incendiava a alma. Teria ela a coragem de lhe estender a mão, desprezar o passado e receber o convite de se entregar ao amor?

Naqueles minutos, todas estas dúvidas lhe perpassaram o espírito. A primeira vez que vira Pedro, quando ainda estava com António, fora quando entrara de surpresa no apartamento do namorado. Estavam os dois na sala, ‘embrulhados’ um no outro, quando a porta se abriu e eis que um rapaz dos seus vinte e poucos anos, cabelos compridos e olhos enormes abriu a porta. Ao deparar-se com aquela cena, ficou atrapalhado. Bem como Cristina, que tentou descer a saia para lhe tapar as pernas, enquanto corava. O único que ficou à vontade foi António, que logo passou às apresentações:

- É o Pedro, já te falei dele, está a dividir a renda comigo.”

Cristina simpatizou de imediato com o jovem. Era bonito, mas comportava-se como se não o soubesse. Era simpático, sem ser convencido. Era meigo sem ser melado. Isto conclui naquela tarde juntos e nos encontros sucessivos em casa dos dois jovens.

Era feliz – tinha um namorado por quem andava de cabeça perdida e encontrara um bom amigo. Mas o sonho de felicidade foi curto. Por que António era o tipo de homem que conviva com dificuldade com a noção de monogamia. Não tardou que Cristina descobrisse que ele mantinha um caso com uma das suas amigas. Nesse dia foi até ao apartamento de António para o confrontar. Quando entrou, de cabeça perdida, nem reparou que não estavam sozinhas, pois Pedro estava sentado no sofá da sala.

Acusou António de a trair. A máscara abandonou-o logo:

- Sim, é verdade, já estava farta de ti. Contente? Agora, se não te importas, sai da minha casa.

Ao ouvir estas palavras, Cristina empalideceu. Pedro levantou-se:

- Vê lá como falas com ela – disse, em voz firme.

António olhou-o com desprezo.

- A mim não me enganas. Querias a Cristina para ti mal lhe puseste os olhos em cima dela. Agora, é toda tua…”

O outro dirigiu-se para ele, zangado. Mas a voz de Cristina chamou-o à razão. Em vez disso, Pedro virou costas a António e acompanhou Cristina até à rua. Caminharam em silêncio. Ela chorava e Pedro colocou o braço sobre os seus ombros, numa atitude protectora. Cristina encostou a cabeça ao seu peito, como uma menina pequena…

Nesse dia, e nos outros que se seguiram, foi ao apoio de Pedro que a ajudou. Tinha a auto-estima em baixo, achava que nunca iria ser feliz. Pedro era uma presença constante. Foi ele que dormiu desconfortável nessa noite para que não ficasse sozinha. Era ele quem a desafiava a sair de casa para passear quando insistia em nem sequer sair da cama. Lentamente, a dor de Cristina foi passando e o seu sorriso regressou.

Estava tão habituada à presença, que nem dava muito bem por ele! Há coisas assim – quem disse que o amor nasce súbito e avassalador? Por vezes, instala-se de mansinho e apanha-nos desprevenidos. Com Cristina, foi assim que tudo se passou. Telefonava a Pedro todos os dias, encontravam-se para ir ao cinema, jantar fora ou simplesmente conversar. E assim se passaram semanas. Até àquela noite em que foram juntos a uma festa. Quando a jovem deu por si estava a dançar nos braços de Pedro, a sentir o seu corpo pela primeira vez e a desejá-lo. Estavam os dois sob o efeito do álcool e isso pareceu torná-los duas pessoas diferentes. Lembra-se de terem ido até ao seu apartamento. De se terem beijado longamente ainda no elevador. De se sentir dominada pelo desejo de ser possuída por ele uma forma que nunca experimentara antes. De pensar que a boca de Pedro era mágica, capaz de a levar à loucura. A beijarem-se loucamente foram até ao quarto. Ele despia-a com meiguice e ardor e ela viu que os seus olhos estavam deslumbrados à visão do seu corpo. Ela fez o mesmo, com as suas mãos, que passearam pelo seu peito nu e musculado. Estavam ambos esquecidos do certo e do errado, de todos os medos.

Cristina deitou-se na cama. Pedro deitou-se sobre ela. E depois penetrou-a com suavidade, fazendo-a estremecer de desejo. Os seus movimentos eram ritmados e pareciam adivinhar as ondas do seu desejo, como se comunicassem com os corpos e com os pensamentos. E assim se amaram uma, duas, três vezes aquela noite, incansáveis, ardentes, loucos.

De manhã, Cristina foi a primeira a acordar. Viu o corpo nu de Pedro estendido a seu lado. E assustou-se. O que tinha feito? Dormido com o único amigo que poderia contra. Nada poderia ser o mesmo! Vestindo-se à pressa, saiu do apartamento. Nesse dia não lhe atendeu as chamadas. Não sabia o que dizer. Até que ele a esperou quando saiu do emprego, já tarde. Chamou o seu nome na rua deserta. Aproximou-se. Olhou-a demoradamente. E Cristina estava, agora, ali, sob o luar, a assistir à declaração de Pedro. Ele tinha ganho coragem de vencer a timidez e estava ali, a dizer que a amava, que a desejava, que não sabia viver com ela. E Cristina sabia que estava a um passo de decidir toda a sua vida – se iria desistir do amor ou aceitá-lo, com todos os seus riscos. Ao calar Pedro com um beijo, soube que tinha dito sim à vida.



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