quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Viagem ao paraíso




Eram sete da tarde. Eles estavam dentro do automóvel, imobilizado na fila interminável. Rui mantinha-se em silêncio, mas a sua mente esforçava-se desesperadamente por encontrar uma palavra, uma frase, que quebrasse a assustadora cortina de mutismo que caíra entre eles. 

Calava-o o medo de parece ridículo. Afinal, era assim que Sónia sempre o fizera sentir, desde o primeiro momento em que ele entrara no escritório e, desajeitadamente, tentara passar despercebido por entre as secretárias, para finalmente se alojar, qual criança desamparada, atrás do computador. Envergonhado, quando se atreveu, decorridos alguns minutos, a lançar um olhar perscrutador em redor, deparou-se, ˆ sua frente, com um manto de caracóis avermelhados. Decorridos alguns minutos, ela levantou-se e os olhos de Rui, hipnotizados, seguiram cada movimento efetuado por aquele corpo esguio. E nunca mais a sua atenção se desprendeu-se de cada palavra que Sónia trocava com os colegas ou ignorou as gargalhadas sonoras que ela soltava. De tal forma a seguia com os olhos, que era capaz de adivinhar o seu estado de espírito ao observar, cada manhã a cadência daqueles passos femininos. Mas ela nunca lhe dirigira a palavra. Rui sentia que, para a colega, era t‹o transparente como o vidro e mais etéreo do que o ar.

O automóvel avançou mais uns metros. "Vá lá, diz alguma coisa" gritava mentalmente o jovem, adivinhando que, nesse momento, Sónia pensava exatamente a mesma coisa. "Ou então beijo-a e termina de uma vez por todas com essa indecisão que te corrói a alma". Nesse instante, como a resposta que ele aguardava, ela procurou com a m‹o os dedos de Rui, que apertou com ternura. Exatamente como sucedera da primeira vez que ela reparou que ele existia, o jovem estremeceu, assustado com o bater desenfreado do coração.

Tinham decorrido duas semanas desde a sua chegada, mas permanecia incapaz de lhe dirigir a palavra. Uma manhã, Rui estava sozinho junto da máquina de café quando se apercebeu que Sónia se aproximava, naquele passo ligeiro que anunciava que acordara bem-disposta. Para seu espanto, ela deu pela sua existência. Parou, sorriu e esticou a mão em direção ao seu rosto. Assustado, Rui recuou com um salto, mas ela limitou-se a dizer com um sorriso tranquilizador:"Acho que tens um pouco de pasta de dentes no queixo". Vermelho como um pimento, o rapaz tentou com o dedo eliminar o incómodo resíduo, mas foi a colega que, humedecendo a ponta do dedo na própria boca, a pousou com suavidade na pele de Rui. E foi então que ele sentiu que nunca se encontrara mais próximo do paraíso do que naquele milagroso instante em que a pele dela pousara em si, um gesto inocente que ele transformou no instante mais precioso de uma existência cinzenta.

E nunca mais Sónia o tratou como se ele fosse transparente. Todos os dias o saudava com um sorriso radioso, capaz de iluminar a mais tristonha das manhãs. Esse gesto encheu Rui de coragem e comeou a convidá-la para tomar café a meio da manhã‹. E ela disse que sim. Uma manhã, em que ele não tinha carro, foi a vez de Sónia retribuir a gentileza, oferecendo-se para lhe dar boleia. Tratavam-se de gestos inócuos entre colegas. E assim seria, se n‹o fosse um pequeno acontecimento que os transportara para aquele instante especifico, dentro do carro, em silêncio, a mente de Rui presa na urgente questão - "Será que a devo beijar". E ela a olhar em frente, pelo vidro, como se estivesse apenas concentrada nos movimentos do trânsito. Mas ele sabia que nada daquilo era verdade.

Nesse dia, a meio da tarde, Rui aguardava pelo elevador quando, no corredor, a voz de Sónia lhe prendeu a atenção. Ela desabafava com uma colega: "Terminei tudo com ele. Não fazia sentido continuar uma relação quando não consigo deixar de pensar noutra pessoa." A interlocutora parecia surpresa: "Mas tu mal o conheces. Não és muito velha para amor à primeira vista? E já agora, fazes questão de lhe dizer?" A sugestão chocou Sónia: "Nunca! Estás doida. Sabes perfeitamente que o Rui não está minimamente interessado em mim. Mal sabe que eu me apaixonei por ele da primeira vez que o vi. Nem lhe conseguia dirigir a palavra." N‹o acreditando no que escutava, Rui foi surpreendido pelo aparecimento, na esquina do corredor, das duas amigas. Basta um simples olhar para Sónia compreender que ele ouvira tudo e foi a sua vez de corar intensamente. Forçando-se a reagir, Rui tentou fazer um ar inofensivo e limitou-se a perguntar "Ainda me dá boleia?" Ela respondeu com uma ligeiro movimento de cabeça e desapareceu no fundo do corredor.

Por fim, entraram no carro. E ela foi direta ao assunto. "Sei que ouviste a minha conversa com a Marta hoje à tarde. Não tens de te sentir mal com a situação. São coisas que acontecem, mas isso não vai interferir na nossa relação". Sónia disse estas frases com aparente frieza, como se estivesse a dar uma informação a um cliente do banco, completamente absorvida pela condução. Sem pensar, Rui exclamou: "Se calhar, eu quero mudá-la". E foi então que se instalou aquele silêncio perturbador.

Finalmente, os automóveis começaram a andar. Passados um ou dois minutos, o carro imobilizava-se frente ao prédio. "O que devo fazer agora", questionava-se o jovem, preso na silhueta pensativa da colega que esperava... Esperava o quê? Aquela rapariga confiante estava ali, a seu lado, transparecendo por cada poro insegurança e medo! Como as coisas tinham mudado! Esquecendo-se que anteriormente era ele que se sentia tímido e desajeitado, Rui puxou-a com fora contra si, acariciou-lhe os caracóis vermelhos, inspirou o perfume a cravo que se libertava dela e sussurrou-lhe ao ouvido: "Sobe comigo". Depois, afastou-se e deixou que ela estacionasse o carro. 

Entraram dentro de elevador e Sónia, cujo abraço trouxera de volta a antiga firmeza e decisão, encostou-se a ele num convite a ser beijada. Rui, que durante semanas escondera dentro de si o fogo que se libertava dentro dele de cada vez que a via, sentiu que o desejo se apoderava de tal forma do seu corpo, que era incapaz de dominar os gestos, de controlar as m‹os que percorriam os seios, as nádegas e as coxas de Sónia, de travar o ímpeto com que a sua língua explorava aquela boca fresca e húmida. Com decisão, imobilizou o elevador e, com dedos ágeis, subiu a saia de Sónia. Respondendo com igual ímpeto ao desejo de Rui, também as mãos desta se entreteram a baixar-lhe as calas. Foi desta forma que, contra a parede, segurando-lhe as pernas, ele penetrou aquela vagina quente e pulsante de vida. Foderam assim, dentro daquele cubículo, tentando abafar os gemidos que se queria soltar das suas gargantas, os corpos suados, vibrantes de volúpia. E foi assim que um orgasmo os surpreendeu em simultâneo, inundando cada célula dos seus corpos com uma erupção violenta que sacudiu a terra.

Só então se aperceberam do que tinham feito. "E se alguém nos apanhasse", perguntou Sónia, com um brilho de felicidade nos olhos. Entrando já no apartamento, Rui não teve tempo para responder porque, dominado por uma nova onda de desejo, pegou nela ao colo e levou-a para o quarto. 

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