Eram sete da tarde. Eles estavam dentro do automóvel,
imobilizado na fila interminável. Rui mantinha-se em silêncio,
mas a sua mente esforçava-se desesperadamente por encontrar uma palavra, uma
frase, que quebrasse a assustadora cortina de mutismo que caíra entre
eles.
Calava-o o medo de parece ridículo. Afinal, era assim que Sónia sempre o
fizera sentir, desde o primeiro momento em que ele entrara no escritório e,
desajeitadamente, tentara passar despercebido por entre as secretárias, para
finalmente se alojar, qual criança desamparada,
atrás do computador. Envergonhado, quando se atreveu, decorridos alguns
minutos, a lançar um olhar perscrutador em redor, deparou-se, ˆ sua frente, com
um manto de caracóis avermelhados. Decorridos alguns minutos, ela levantou-se
e os olhos de Rui, hipnotizados, seguiram cada movimento efetuado por aquele
corpo esguio. E nunca mais a sua atenção se desprendeu-se
de cada palavra que Sónia trocava com os colegas ou ignorou as gargalhadas
sonoras que ela soltava. De tal forma a seguia com os olhos, que era
capaz de adivinhar o seu estado de espírito ao observar, cada manhã a cadência daqueles passos femininos. Mas ela nunca lhe dirigira a palavra.
Rui sentia que, para a colega, era t‹o transparente como o vidro e mais etéreo
do que o ar.
O automóvel avançou mais uns
metros. "Vá lá, diz alguma coisa" gritava mentalmente o jovem, adivinhando
que, nesse momento, Sónia pensava exatamente a mesma coisa. "Ou então
beijo-a e termina de uma vez por todas com essa indecisão que te corrói a alma".
Nesse instante, como a resposta que ele aguardava, ela procurou com a m‹o os
dedos de Rui, que apertou com ternura. Exatamente como sucedera da primeira vez
que ela reparou que ele existia, o jovem estremeceu, assustado com o bater
desenfreado do coração.
Tinham decorrido duas semanas desde a sua
chegada, mas permanecia incapaz de lhe dirigir a palavra. Uma manhã, Rui estava sozinho junto da máquina
de café quando se apercebeu que Sónia se aproximava, naquele passo
ligeiro que anunciava que acordara bem-disposta. Para seu espanto, ela deu pela
sua existência. Parou, sorriu e esticou a mão em direção
ao seu rosto. Assustado, Rui recuou com um salto, mas ela limitou-se a dizer
com um sorriso tranquilizador:"Acho que tens um pouco de pasta de
dentes no queixo". Vermelho como um pimento, o rapaz tentou com o dedo
eliminar o incómodo resíduo, mas foi a colega que, humedecendo a ponta do dedo
na própria boca, a pousou com suavidade na pele de Rui. E foi então que ele
sentiu que nunca se encontrara mais próximo do paraíso do que naquele milagroso
instante em que a pele dela pousara em si, um gesto inocente que ele
transformou no instante mais precioso de uma existência
cinzenta.
E nunca mais Sónia o tratou como se ele
fosse transparente. Todos os dias o saudava com um sorriso radioso, capaz de
iluminar a mais tristonha das manhãs. Esse gesto encheu Rui de coragem e comeou a convidá-la para tomar café a meio da manhã‹. E ela disse que
sim. Uma manhã, em que ele não tinha carro, foi a vez de Sónia retribuir
a gentileza, oferecendo-se para lhe dar boleia. Tratavam-se de gestos inócuos
entre colegas. E assim seria, se n‹o fosse um pequeno acontecimento que os
transportara para aquele instante especifico, dentro do carro, em silêncio, a mente de Rui presa na urgente questão - "Será que a devo
beijar". E ela a olhar em frente, pelo vidro, como se estivesse apenas
concentrada nos movimentos do trânsito. Mas ele sabia que nada daquilo era
verdade.
Nesse dia, a meio da tarde, Rui
aguardava pelo elevador quando, no corredor, a voz de Sónia lhe prendeu a atenção. Ela desabafava com uma colega: "Terminei tudo com ele. Não
fazia sentido continuar uma relação quando não consigo deixar de pensar noutra
pessoa." A interlocutora parecia surpresa: "Mas tu mal o
conheces. Não és muito velha para amor à primeira vista? E já agora, fazes questão
de lhe dizer?" A sugestão chocou Sónia: "Nunca! Estás doida. Sabes perfeitamente
que o Rui não está minimamente interessado em mim. Mal sabe que eu me apaixonei
por ele da primeira vez que o vi. Nem lhe conseguia dirigir a palavra."
N‹o acreditando no que escutava, Rui foi surpreendido pelo aparecimento, na
esquina do corredor, das duas amigas. Basta um simples olhar para Sónia
compreender que ele ouvira tudo e foi a sua vez de corar intensamente. Forçando-se a reagir, Rui tentou fazer um ar inofensivo e limitou-se a
perguntar "Ainda me dá boleia?" Ela respondeu com uma ligeiro
movimento de cabeça e desapareceu no fundo do corredor.
Por fim, entraram no carro. E ela
foi direta ao assunto. "Sei que ouviste a minha conversa com a Marta hoje
à tarde. Não tens de te sentir mal com a situação. São coisas
que acontecem, mas isso não vai interferir na nossa relação". Sónia disse
estas frases com aparente frieza, como se estivesse a dar uma informação a um cliente do banco, completamente absorvida pela condução. Sem
pensar, Rui exclamou: "Se calhar, eu quero mudá-la". E foi então que
se instalou aquele silêncio perturbador.
Finalmente, os automóveis começaram
a andar. Passados um ou dois minutos, o carro imobilizava-se frente ao prédio.
"O que devo fazer agora", questionava-se o jovem, preso na silhueta
pensativa da colega que esperava... Esperava o quê? Aquela
rapariga confiante estava ali, a seu lado, transparecendo por cada poro
insegurança e medo! Como as coisas tinham mudado!
Esquecendo-se que anteriormente era ele que se sentia tímido e desajeitado, Rui
puxou-a com fora contra si, acariciou-lhe os caracóis vermelhos, inspirou o
perfume a cravo que se libertava dela e sussurrou-lhe ao ouvido:
"Sobe comigo". Depois, afastou-se e deixou que ela estacionasse o
carro.
Entraram dentro de elevador e Sónia, cujo abraço trouxera
de volta a antiga firmeza e decisão, encostou-se a ele num convite a ser
beijada. Rui, que durante semanas escondera dentro de si o fogo que se
libertava dentro dele de cada vez que a via, sentiu que o desejo se apoderava
de tal forma do seu corpo, que era incapaz de dominar os gestos, de controlar
as m‹os que percorriam os seios, as nádegas e as coxas de Sónia, de travar o ímpeto
com que a sua língua explorava aquela boca fresca e húmida. Com decisão,
imobilizou o elevador e, com dedos ágeis, subiu a saia de Sónia. Respondendo
com igual ímpeto ao desejo de Rui, também as mãos desta se entreteram a
baixar-lhe as calas. Foi desta forma que, contra a
parede, segurando-lhe as pernas, ele penetrou aquela vagina quente e pulsante
de vida. Foderam assim, dentro daquele cubículo, tentando abafar os
gemidos que se queria soltar das suas gargantas, os corpos suados, vibrantes de
volúpia. E foi assim que um orgasmo os surpreendeu em simultâneo, inundando
cada célula dos seus corpos com uma erupção violenta que sacudiu a terra.
Só então se aperceberam do que tinham
feito. "E se alguém nos apanhasse", perguntou Sónia, com um brilho de
felicidade nos olhos. Entrando já no apartamento, Rui não teve tempo para
responder porque, dominado por uma nova onda de desejo, pegou nela ao
colo e levou-a para o quarto.